Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

sábado, 25 de janeiro de 2014

Fim

Nunca tive nenhuma empolgação com o trabalho de Fernanda Torres. Acho-a uma atriz regular, nada excepcional, daquelas que não me motivam a ir ao cinema assistir a um filme por causa de sua participação, como acontece com Ricardo Darin, Edward Norton ou sua mãe, Fernanda Montenegro. Por isso mesmo, não me chamou a atenção o lançamento de seu livro, Fim. Foi a Clélia que me disse que gostava de ler seus textos publicados mensalmente na Folha e, por isso, num dia de vadiagem na Livraria da Vila, em Campinas, peguei o livro nas mãos e, ao ler a primeira página, senti vontade de lê-lo até que acabasse.
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Fiquei absolutamente surpreso com a qualidade do texto e com a forma que escolheu para contar a história, uma forma nada convencional e muito criativa. Em geral, tenho certa má vontade com estruturas muito exóticas de ligar a trama, mas a maneira escolhida por Fernanda foi muito instigante.
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Cheia de personagens, a história não chega a confundir o leitor, graças à maneira marcante que cada um deles tem lugar na trama. Se eventualmente acontecer, a dica é escrever na página do índice, a lápis, o nome das mulheres e amantes de cada um dos 5 amigos que fazem parte da história. Não cheguei a fazer isso, mas confesso que utilizei este recurso na segunda releitura que fiz de Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marques, mas, naquele caso, eram muito mais personagens e quase todos se chamavam Aureliano ou José Arcádio (na verdade, não escrevi no livro, o que acho uma heresia, mas desenhei a árvore genealógica da família numa folha à parte).
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Para tratar de alguns dos personagens, Fernanda Torres utiliza a narração em primeira pessoa e, aí, revela um excepcional talento, já que faz isso com a mesma desenvoltura, tanto para personagens femininas quanto masculinas. A morte é o mote do livro, o que não quer dizer que a história seja fúnebre, muito pelo contrário. A autora usa a morte para celebrar a vida de cada uma das personagens, tenha sido ela aquilo que elas quiseram viver, tenha sido ela uma desilusão.
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Enfim, é um livro que me surpreendeu tanto, que ficarei a espera de outra publicação sua e estarei mais atento a seus textos na Folha. Provavelmente, entretanto, continuarei a não dar muita atenção aos filmes de que participa.
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quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Ninfomaníaca, 1ª parte

Assisti à primeira parte de Ninfomaníaca, de Lars von Trier com algum desconforto. Não foi devido ao ambiente sombrio e andamento lento do filme, já que estas características, típicas deste diretor, estavam presentes em outras obras suas como Dançando no escuro e Dogville, dos quais gostei bastante. Também não foi a temática do sexo, visto que este tema me interessa muito, como escrevi, recentemente, neste blog, aqui e aqui. O que causou este meu desconforto foi o fato do sexo, no filme, ser mostrado sem qualquer componente de emotividade. Obviamente não sou inocente a ponto de acreditar que o sexo só funciona se estiver acompanhado de amor, claro que não, mas sexo, em minha concepção, tem que estar aliado a carinho ou, ao menos, ter a companhia de carícias. Pois no filme de von Trier, o sexo é sempre mostrado sem amor, sem carinho, sem, nem ao menos, alguma carícia. O sexo, na tela, sempre aparece como algo apenas genital, como instinto, como vício.
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Acontece que é este mesmo o objetivo do filme. É abordar o sexo quando ele é uma doença. É disso que ele quer tratar. E é por isso que ele é bom, apesar do desconforto que me causou. A escolha da atriz Stacy Martin me pareceu muito apropriada, pois sua inexpresividade caiu muito bem para o papel da protagonista da história, quando jovem.
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O personagem representado pelo ótimo ator sueco Stellan Skarsgård, para quem a protagonista narra sua história, serve, também, para que o diretor passe seus recados, como quando ele diz que vem de uma família antissionista mas não antissemita, uma clara referência à desastrada entrevista que ele deu, durante a apresentação do filme Melancolia, no festival de Canes, quando declarou que compreendia Hitler, causando embaraço em todos os presentes.  Mais importante que esta baboseira, é o fato de ser através deste personagem que é exposto o que há de mais interessante no filme, ou seja, a comparação entre a arte da sedução e uma pescaria e o paralelo entre sexo e a audição de um prelúdio de Bach escrito para orgão.
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No filme, o amor só aparece na forma de ilusão da protagonista que, ingenuamente, acreditou que este ingrediente poderia ser o remédio para o seu mal. O que vai acontecer com ela após descobrir que nem isso pode curá-la, só descobriremos quando a segunda parte do filme for exibida.
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quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Contrariando a própria convicção

Tenho, cada vez mais forte, a convicção de que não sou mais capaz de assimilar novidades no que diz respeito à música. Eu me pego à procura das mesmas coisas de sempre quando percorro com o olhar as prateleiras das lojas de discos. Aliás, acho que sou o único a chamar os CDs de discos, mas, enquanto seu formato redondo e achatado me permitir esta atitude, resistirei bravamente.
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Mas, voltando às prateleiras, o que meus olhos treinados buscam é sempre a mesma coisa, seja jazz, MPB, Bossa Nova ou o samba autêntico, enfim, o tipo de música que verdadeiramente me emociona. Conscientemente, minha atenção passa ao largo das duplas sertanejas, dos grupos de pagode, do pop, do rap e do rock, seja da música americana, seja da brasileira. Minha visão seletiva me proteje dos discos da Paula Fernandes, do Péricles, do Nx Zero ou da Vanesa da Mata.
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Estou certo, entretanto, que esta autoproteção me impede de descobrir coisas novas que poderiam me agradar e, principalmente, enriquecer meu conhecimento musical e aumentar meu prazer. Afinal, cada vez menos eu consigo encontrar alguma gravação nova quando procuro pelas músicas de Cartola, Nelson Cavaquinho, Gershwin ou Cole Porter. Além do mais, mesmo os artistas que eu admiro e que ainda estão na ativa, diminuiram, e muito, a produção, o que é compreensível, visto se tratar de sexagenários, no mínimo. Desta forma, é cada vez mais raro o lançamento de um novo disco de João Bosco ou Paulinho da Viola, de Renato Teixeira ou Almir Sater, com, realmente, alguma novidade. Talvez as exceções sejam Caetano Veloso e Chico Buarque que têm apresentado incursões por novos caminhos, embora isso, em ambos os casos, me causem estranheza. No caso de Caetano Veloso, principalmente nos CDs e Zii e Zie, eu identifico uma guinada a certo primitivismo melódico e harmônico que, a princípio, não me agrada. O último disco, Abraçaço, ainda preciso digerir melhor antes de saber o que achei. De qualquer forma, minha relação com a música de Caetano Veloso sempre foi assim. Sempre levei certo tempo para digerir seus discos e, de alguns deles, acabei aprendendo a extrair um grande prazer.
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Chico Buarque segue numa direção oposta à de Caetano e me causa a mesma estranheza. Em seus útimos discos Carioca (2006) e Chico (2011) ele se aventurou em dissonâncias intrincadas que incomodam meus ouvidos mais convencionais. Este incômodo, entretanto, me seduz, já que mostra uma busca por experimentar, realmente, algo novo.
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Falei tudo isso, ou seja, gastei 4 parágrafos e abusei da paciência de quem está lendo este texto para comentar o álbum Indivisível de Zé Miguel Wisnik. Contrariando minha própria convicção, a de que eu não seja capaz de assimilar novidades, este é um autor que me seduziu desde o primeiro momento que ouvi suas músicas. É na interpretação de grandes cantoras como Maria Bethânia, Gal Costa, Zizi Possi, Mônica Salmaso ou Vânia Bastos que seu talento se revela. Embora pareça contraditório, sua música é minimalista e complexa, dois atributos que me agradam muito. Neste novo áalbum, ele nos apresenta 2 CDs, o primeiro em que se acompanha do próprio piano com o suporte das teclas de Marcelo Jeneci. No segundo, é o violão de Arthur Nestrovski que dá o tom. Nos dois casos, a simplicidade dos arranjos e sua voz desprovida de recursos é que permitem perceber a riqueza e a complexidade de suas composições.
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Wisnik é versátil. Faz tanto melodia quanto letra e é capaz de musicar poemas de Fernando Pessoa, Gregório de Mattos e Drumond ou se atrever a colocar letra numa música de Schubert, além de apresentar uma versão para uma bela canção de Henri Salvador. Compõe sozinho e em parceria com Luiz Tatit, Guinga ou Chico Buarque, entre outros. Além de tudo, o álbum tem um projeto gráfico muito criativo.
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 Enfim, um disco e um artista capazes de me fazer acreditar que ainda tenho salvação.
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Se meu mundo cair (Zé Miguel Wisnik)
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Embebedado (Zé Miguel Wisnik e Chico Buarque)