Inferno
foi o primeiro livro de Patrícia Melo que eu li. Gostei muito e soube, mais
tarde, que ela ganhou um importante prêmio por ele. E foi por isso que comprei,
há algum tempo, Acqua Toffana, sem
saber que ele foi seu primeiro livro publicado.
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Fazia um bom tempo que ele estava na estante e,
semana passada, resolvi pegá-lo pra ler. Confesso que fiquei um tanto
decepcionado, não que ele seja ruim, mas, provavelmente, por eu estar com uma
expectativa exagerada devido ao outro.
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O que mais me incomodou, ao começar a leitura, foi
a forma não linear da narração que me causou certo desconforto. Isso não é
incomum e, nem necessariamente, negativo. Lembro-me de ter sentido o mesmo
desconforto quando li, pela primeiravez, um livro de José Saramago. Era O Evangelho Segundo Jesus Cristo e sua
forma de escrever os diálogos, sem utilizar o sistema convencional de pontuação,
com travessão, me perturbou um pouco. Esta sensação, entretanto, passou
rapidamente e logo eu estava absorto na leitura que terminei quase perdendo
fôlego. Quando fiz minha segunda incursão na obra deste autor, Ensaio Sobre a Cegueira, eu estava
absolutamente confortável para encarar aquela leitura que também me arrebatou.
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No livro inicial de Patrícia Melo, o desconforto
não me abandonou um só instante. Ele foi, aliás, agravado pelo fato de eu tê-lo
indicado no blog, antes de começar a ler, como, aliás, faço com todos os livros
que indico.
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Caso minha memória não esteja me traindo (e nem
minha preguiça de checar), acho que é a primeira vez que faço um comentário que
não seja elogioso de uma indicação do blog. De qualquer forma, preferi escrever,
mesmo assim, até porque o maior desconforto que o livro me causou foi o fato de
eu não saber, até agora, se gostei dele ou não.
Se, por brincadeira,
alguém pedir pra eu escolher um, apenas um, dentre os meus letristas de música
preferidos, este inquiridor ficará sem resposta. Julgo-me absolutamente incapaz
de sacar apenas um nome de uma relação que tem Noel Rosa, Orestes Barbosa, Chico
Buarque, Fernando Brant, Vitor Martins, Cacaso, e muitos, muitos outros mais.
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Se a coisa não fosse
brincadeira, se eu tivesse, mesmo, que escolher um nome, sob ameaça contra a
vida, até por instinto, teria que abdicar de certos pudores e reduzir a lista
até chegar a um nome. E este nome único seriam dois: Paulo César Pinheiro e
Aldir Blanc. Isso mesmo. Ambos são meu letrista preferido na música brasileira,
por mais que a sintaxe desta frase soe errada. Nunca tive qualquer dúvida a
este respeito e isso acabou de ser reforçado após ler o livro Aldir Blanc, Resposta ao tempo – Vida eletras, do jornalista Luiz Fernando Vianna. .
Sem se preocupar
estritamente com dados precisos e dando maior valor aos acontecimentos sob o
ponto de vista da lembrança de pessoas entrevistadas, mesmo que apresentem
falhas, o que valeu, mesmo, foi alinhavar os fatos às sensações do poeta e
perceber como elas foram, no decorrer de sua vida, construindo sua poesia. Servindo-se
de alguns versos de suas inúmeras obras-primas, o livro vai encadeando os
períodos do tempo, formando uma biografia do letrista na qual a própria
história da nossa música vai se construindo, numa quase confusão em que conter
e estar contido se misturam, como acontece na vida real.Aldir Blanc, aliás, é o mais competente
cronista da nossa música atual, como já fora, no passado, Noel Rosa, por
coincidência (ou não), também oriundo de Vila Isabel.
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Aldir é um sujeito
recluso, não é dado a manifestações de estrelismo, não é uma celebridade. Por
isso é esquecido pela mídia, até mesmo por que não compactua com seu jogo. Por
esse motivo, o livro trata até dos momentos difíceis de sua vida sem a
dramaticidade que, certamente, venderia mais livros. Mesmo o episódio do
afastamento entre Aldir e João Bosco é tratado de maneira natural e sem alarde,
como eles mesmos, os protagonistas, preferem tratar. Este assunto é o que mais
me interessava quando comecei a ler a biografia, não por gostar de fofocas, mas
pelo fato de que este afastamento provocou em mim uma sensação de orfandade, já
que me privou de continuar recebendo, através dos discos, o tipo de música que
mais me fascinava naqueles tempos.
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O fim da parceria entre
Aldir Blanc e João Bosco me causou, num primeiro momento, a sensação de que
nenhum dos dois, compondo com outros parceiros, conseguiria arrebatar minha
emoção no mesmo nível que o fizeram quando compunham juntos. Esta sensação
perdura até hoje em relação a João Bosco, mas Aldir Blanc conseguiu continuar a
me surpreender e me encantar com letras feitas com outros parceiros, sobretudo Guinga
e Moacyr Luz.
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Não importa que sua
música não venda tanto quanto as bobagens que habitam a nossa mídia. Para mim,
ele continua sendo o primeiro de todos, mesmo que empatado com outro.
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Notas musicais:
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1 - Na contracapa do
livro, Guinga diz: “Aldir não escreve, presta depoimento”. Acredito que este
samba, feito em parceria com João Bosco, seja bastante emblemático desta forma
de fazer letra que tanto me encanta.
Siri Recheado e o cacete (João Bosco e Aldir Blanc) – João Bosco .
2 – Ao lado de um
grande senso de humor e picardia, Aldir é, também, hábil com as palavras ao
desvendar as amarguras do ser humano, como nesta belíssima canção, composta em parceria
com Guinga.
Catavento e Girasol (Guinga e Aldir Blanc) - Guinga .
3 – Com Moacyr Luz,
Aldir conseguiu atingir o mesmo grau de perfeição ao compor sambas, como este.
Pra que pedir perdão? (Moacyr Luz e Aldir Blanc) - Moacyr Luz e Aldir
Blanc